quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Da favela ao shopping: Funk pode perder sua essência ao migrar para o mercado formal, diz pesquisador

GIULIANA DE TOLEDO
DE SÃO PAULO
O baile funk mudou de endereço. Se "não existe funk sem baile", como diz o pesquisador Julio Ludemir, é o próprio gênero que passa por uma transformação e sofre o risco de perder sua essência.
O estilo musical que ganhou força no fim dos anos 1980 nos morros do Rio, hoje, faz parte da vida no asfalto. "É contraditório: o funk está se firmando no mercado formal, mas é asfixiado na favela, o que atrapalha a sua renovação", diz Ludemir, 53.
Escritor e produtor cultural, esse carioca passou dois anos envolvido na pesquisa que resultou no livro "101 Funks que Você Tem que Ouvir Antes de Morrer" (ed. Aeroplano), recém-lançado.
Enquanto os bailes estão restritos nas comunidades cariocas onde se instalaram as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) --por resolução do governo, só podem ocorrer com autorização policial--, o som funk conquista espaço em áreas nobres.
Nas chamadas festas de "playboy" (zona sul do Rio), há lugar garantido para hits com roupagem pop, como os sucessos dos cantores Naldo Benny e Anitta. Ela, com "Show das Poderosas", vendeu mais de 120 mil cópias e levou disco de platina.
"O funk ainda sofre discriminação. No Rio, é assim: quem cuida é a Secretaria de Segurança Pública e não a de Cultura", diz DJ Marlboro, que lançou em 1989 a primeira coletânea do gênero.
Para Ludemir, há o risco de o funk seguir o caminho do samba que, segundo ele, desapareceu da favela: "Foi para a Lapa, e um favelado não pode pagar R$ 80 por um show lá", diz ele, que é o criador do concurso de dança Batalha do Passinho.
Em São Paulo, onde domina o funk ostentação, os bailes também estão em xeque.
Na última sexta, foi aprovado na Câmara Municipal um projeto de lei que proíbe a realização desse tipo de festa nas ruas. A proposta depende da sanção do prefeito.
Enquanto as letras falam de consumo, o baile migra para os shoppings. No último sábado, cerca de 6.000 jovens se reuniram no estacionamento do shopping Metrô Itaquera, na zona leste. O "rolezinho", como é chamado o encontro, terminou com arrastão e dois presos.
O baile todo
Ostentação faz funk de São Paulo superar o carioca, diz DJ Marlboro
DE SÃO PAULO
Ao cantar o consumo e o orgulho de possuir bens e marcas importadas, o funk ostentação, criado em São Paulo, lidera a cena do gênero, na opinião do DJ Marlboro, pioneiro da cena carioca.
"Finalmente, viram que o proibidão era uma merda, que prejudicou a imagem do funk", diz. "O Rio não abriu o olho e São Paulo agora está dominando", afirma o empresário, para quem a fase sobre consumo também deve passar em breve.
Em duas décadas, a temática do funk mudou bastante. Primeiro, em 1990, a sensação era ingenuidade de "Feira de Acari", sucesso do MC Batata e primeiro funk a tocar em uma novela global, a "Barriga de Aluguel".
Depois, em 1992, veio o "parapapapa" representando o som de tiros no "Rap das Armas". O proibidão, composto pelos MCs Júnior e Leonardo, fez sucesso internacional em 2007 na trilha de "Tropa de Elite".
As letras da vertente putaria, que Tati Quebra Barraco inaugurou nos anos 2000, não são mais a bola da vez.
A força de São Paulo na nova cena, para Marlboro, vem de tradição no rap, há anos popular na periferia. A temática baseada em exibir produtos caros e mostrar que está com a vida ganha se alimenta da imagem de ídolos do hip-hop dos EUA como Jay-Z.
Para o pesquisador carioca Julio Ludemir, autor do livro "101 Funks que Você Tem que Ouvir Antes de Morrer", a onda da ostentação, para além de representar os desejos da nova classe C, pode ser uma forma de resistência.
"Assim fica mais difícil estigmatizar o funk. Qual o mal de um moleque querer ter um Rolex ou um carro importado e beber Red Bull? Falando de violência e putaria, fica mais fácil proibir um baile", diz Ludemir.
"É uma música que alegra em vez de contar uma história triste", afirma MC Danado, um dos principais nomes da ostentação e autor do hit "Top do Momento".
A canção, na qual o funkeiro diz ser o "rei da balada como o Pelé era rei do futebol", é uma das três paulistas que aparecem em "101 Funks...".
Danado não sai mais de casa para shows por cachê de menos de R$ 10 mil em média e, por semana, o número de apresentações pode chegar a 18. Na agenda dos próximos meses, há datas marcadas para Espanha, Portugal, Paraguai e Uruguai.
Além disso, tem uma produtora na zona leste que gerencia 13 artistas do estilo. "Queremos ser para São Paulo o que a [equipe e gravadora] Furacão 2000 é para o Rio", diz, em referência à empresa de Rômulo Costa, precursor no mercado carioca.

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